O tempo segue nos atropelando e acabamos entrando na velocidade do tempo para dar conta de tudo.
No jantar não lembramos o que almoçamos. Esquecemos a sobremesa ou renunciamos por falta de tempo. Esquecemos de perguntar sobre o dia das crianças na escola e se não esquecemos, perguntamos, mas não prestamos atenção na resposta, porque tudo está no automático. A conversa com o marido vira uma mescla das histórias dele e dos posts de gente que nem conhecemos no Instagram. Lembramos de ligar para um amigo para saber se está tudo bem, mas logo esquecemos. No final a falta de tempo e a necessidade de fazer tudo, acabam nos colocando no automático.
O caminho para o trabalho já não mostra nada além dos carros bem na frente. A pressa não nos permite olhar em volta, prestar a atenção nas pessoas. A pressa nos torna menos gentis e educados porque o objetivo se torna fazer o caminho do ponto A ou B o mais rápido possível, não importando a mínima se estamos atrasados ou o real motivo de tanta pressa. A pressa é tanta, que muitas vezes não damos conta do porque estamos com pressa.
A favela cresce, mas os olhos não veem. A criança pede dinheiro no farol mostrando sua total falta de perspectiva no futuro, mas também passa despercebida. As árvores vão mudando de cor enquanto perdem suas folhas. As flores aparecem, mas poucos tem a sorte de vê-las antes que caiam de suas árvores. E nem o chão pintado de rosa ou amarelo pelas flores que caíram chamam a atenção de quem passa.
Não olhamos nos olhos das pessoas, não olhamos para as pessoas. A preocupação está em achar o crachá para passar na catraca e nessa, a recepcionista deixou de ganhar um bom dia. De repente, nossa pressa é tanta que as pessoas ficam invisíveis.
O almoço é engolido e acabamos não prestando atenção no que comemos. A pressa ainda está lá tomando conta do estomago, depois de já ter tomado conta do cérebro e do coração. Ela tem o dom de tomar conta de tudo.
Perdemos o melhor do percurso porque o caminho vira paisagem. Acostumamos os nossos olhos e nos rendemos à pressa tirando nosso foco do caminho em si e focando apenas no objetivo.
Perdemos a chance de aproveitar o caminho, porque ele vira paisagem.
Perdemos o melhor da relação com as pessoas, porque elas viram paisagem.
Perdemos o prazer de comer porque a comida vira paisagem.
Quando paramos para olhar em volta e nos permitimos aproveitar o momento é possível ver poesia até no voo de um urubu e isso causa felicidade instantânea, uma felicidade que faz a alma sorrir.
Quando paramos para prestar atenção nas pessoas, temos sorrisos retribuídos, melhoramos o dia de alguém. Ganhamos elogios. Ganhar sorrisos melhora o dia de qualquer pessoa. De quem recebeu e de quem deu também.
Quando paramos para apreciar uma refeição alimentamos não somente o corpo, mas também a alma.
Precisamos parar para aproveitar a paisagem no sentido literal, o caminho, as pessoas, a poesia, a beleza, os prazeres, porque se deixarmos a vida virar paisagem, no final a vida perde o sentido.